Por que o preço do gás sobe no mundo e como isso afeta o Brasil; entenda em 5 pontos

 


A proposta da Petrobras para aumentar o preço do gás natural nos novos contratos que a estatal está negociando com as distribuidoras estaduais é um reflexo do que acontece com o preço do produto no exterior.


Fatores como o forte aumento da demanda no pós-pandemia, redução na capacidade de armazenamento do combustível na Europa e as tentativas de transição energéticas para matrizes mais limpas por países importantes, como a China, têm pressionado os preços do combustível no mundo.

Nesse contexto, a empresa tem sido pressionada pelos altos custos com a importação do produto para suprimento das termelétricas. E a tendência é que o cenário piore, pois o início do inverno no hemisfério Norte é tradicionalmente um período com maior demanda por gás.

Entenda em cinco pontos os motivos que levaram os preços do gás natural no mercado internacional terem subido tanto e quais as consequências para o Brasil.

Com o início da pandemia, a atividade econômica de vários países recrudesceu. E junto com essa queda, também foi reduzido o consumo de energia e de demanda por commodities, principalmente, as energéticas.

Como destaca o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBI), Adriano Pires, com os preços baixos do petróleo e do gás, alguns campos de exploração perderam a sua atratividade econômica e muitos investimentos que estavam sendo feitos em terminais de liquefação foram adiados ou cancelados.

Com o avanço das campanhas de vacinação, as principais economias mundiais começaram a retomar suas atividades, o que levou, inevitavelmente, a um aumento muito forte da demanda em relação à oferta disponível.

"Para voltar a um patamar de normalidade, leva tempo e você tem uma diferença entre demanda e oferta que é corrigida via preço", disse Pires.

E, no caso do gás, não foi diferente. De acordo com a Agência Internacional de Energia, a demanda deve aumentar 7% em 2024 em relação ao período anterior ao início da pandemia.

Se olharmos mais adiante, a procura por gás natural deve crescer 3,4% ao ano até 2035, ultrapassando até outros combustíveis, de acordo com a consultoria McKinsey &Co.

Na Europa, importante mercado consumidor de gás, os estoques de armazenamento do produto acabaram diminuindo durante a pandemia. A maior procura por parte dos europeus nos últimos meses ajudou na disparada dos preços.

"A Europa tem uma capacidade de armazenamento de gás alta por segurança energética. Como as reservas no continente diminuíram, tivemos um aumento da demanda acima do esperado, também pelo maior consumo previsto no inverno, e isso acabou pressionando os preços do gás", destaca o pesquisador do FGV CERI, Diogo Lisbona.

Além da Europa, a retomada das economias fez com que outros importantes países importadores de gás aumentassem suas demandas, como Coreia do Sul e Japão.

No caso europeu e no mercado de gás como um todo, outro importante player a ser observado é a Rússia. O país é um importante fornecedor de gás natural para a Europa Ocidental por meio de gasodutos.

No mês passado, o presidente russo Vladimir Putin chegou a responsabilizar os europeus pelo aumento do preço do produto e pelo desequilíbrio no mercado, mas prometeu ajudar com o envio de mais gás.

Para se ter uma ideia da importância russa para o mercado, na terça-feira (9), os preços dos contratos de gás natural na Europa chegaram a registrar fortes perdas após a estatal russa de energia Gazprom informar em uma rede social que “aprovou e iniciou a implementação de um plano para o envio de gás para cinco reservatórios subterrâneos de estocagem” no continente em novembro.

"Se a Rússia limita de alguma forma a quantidade de gás fornecida pelos gasodutos com a Europa passando por um momento de recompor o nível de armazenamento, ela (Europa) vai precisar disputar esse gás no mercado spot", disse Lisbona.

Em relatório divulgado nesta semana, analistas do banco Goldman Sachs afirmaram que a expectativa é de que a Rússia aumente o fluxo de gás para o norte europeu, mas não o suficiente para normalizar o fluxo no curto prazo.

Outro fator que joga a favor da alta dos preços do gás é a elevação dos contratos do petróleo no exterior, que também ocorrem, dentre outros fatores, por uma elevação mais forte da demanda em relação à oferta.

Grande parte do gás natural extraído no mundo é associado à indústria do petróleo. E historicamente, o preço dessas commodities é relacionado.

Os contratos futuros do petróleo tipo Brent vem renovando seus recordes nos últimos meses, com o contrato para janeiro já sendo negociado acima dos US$ 82.

"No final do dia, todas as commodities são associadas ao preço do petróleo, que é uma espécie de um diretor dos preços do mercado de commodities", destaca Pires.

O gás também aumentou porque muitos países viram a commodity como uma forma de realizar uma transição energética para matrizes menos poluentes.

O gás natural emite menos CO2 do que o carvão, por exemplo, no momento de se abastecer usinas termelétricas. E a transação com o uso do gás pode ser feita de forma mais rápida do que aquelas realizadas por combustíveis não fósseis, como a eólica e a solar.

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Um dos casos que mais interfere no mercado do gás é o da China. O país vem tentando reduzir seu volume de emissões para receber as Olimpíadas de Inverno no próximo ano.

Dessa forma, a combinação dos altos preços do carvão e as metas do governo central para reduzir as emissões de carbono aumentou a demanda do país pelo GNL.

"A pressão ambiental para a redução de emissões acaba se refletindo, em um primeiro momento, no gás natural. O gás tem uma importância como um combustível de transição. A queda no custo de implementação de outras energias renováveis ajudou, mas a participação delas ainda precisa aumentar muito nesses países que estão em transição", explica o especialista da FGV.

Segundo os especialistas, a alta do gás natural no mundo pressiona ainda mais a Petrobras. A empresa possui três grandes consumidores de gás: as suas próprias refinarias, as termelétricas, que passaram a ser mais acionadas com o episódio da crise hídrica, e as distribuidoras.

Para atender essa demanda, a empresa passou a importar mais GNL, que está mais caro no mercado.

Com a aprovação do Novo Marco do Gás no início do ano, a expectativa era que novos players entrassem nesse mercado a partir de 2022.

A entrada até deve ocorrer, aumentando a concorrência no setor. No entanto, a revisão dos termos pretendida pela Petrobras vai ofuscar possíveis vantagens que as distribuidoras teriam.

Uma das formas de diminuir os preços dos novos contratos com as distribuidoras seria aumentar o período de duração. No entanto, isso vai contra a tentativa de aumentar a concorrência.

"Um dos pilares dessa história era a Petrobras deixar de ser monopolista e você criar um mercado de concorrência. Mas com a crise hídrica, a Petrobras está tendo que vender mais gás para as térmicas do que ela imaginava e o mercado não térmico que é o das distribuidoras de gás também está crescendo", disse Pires.

Pires ressalta que 70% do mercado de gás brasileiro estará sem contratos a partir de 1º de janeiro de 2023 e que os outros fornecedores não têm ainda a capacidade de abastecer todas as distribuidoras que estão ficando sem contrato. No final a conta deve chegar ao consumidor.

"Na minha conta, esses novos fornecedores podem atender de 12% a 15% desse mercado não termelétrico. No final do dia, quem vai pagar por esse aumento é o consumidor", diz Pires.

Lisbona ainda ressalta o fato de como o gás ganhou importância no mercado brasileiro, mesmo o país tendo uma matriz energética mais limpa se comparada a outros.

"Temos uma matriz elétrica com um legado hidrelétrico e, hoje, temos contratado muito gás natural. Vai ter um legado de contratação de gás para a próxima década. Estamos aumentando a participação de gás na matriz, mas saindo de uma base renovável. No geral, os países que estão indo para o gás estão saindo de uma matriz de carbono intensiva", explica Lisbona.

Para os analistas, a tendência é que os preços continuem pressionados.

"É possível que a gente continue com os preços pressionados nesse inverno e isso coloca pressão para o Brasil que está importando GNL para as termelétricas", diz Lisbona".



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